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OPINIÃO: A Constituição é mais do que uma carta de direitos

Ouço, no meu ofício de professor de direito constitucional, regularmente críticas à Constituição Federal. Não poderia ser diferente. A crítica é inerente ao regime democrático e essa lógica não poderia deixar de se aplicar à própria peça fundante de nossa democracia. Eu mesmo as faço corriqueiramente.

No entanto, uma das críticas mais frequentes, me causa certo desconforto. Refiro-me à tese largamente difundida de que a Constituição é excessivamente "generosa", de que traz em seu texto muito mais direitos do que deveres. Nada mais longe da verdade. Nossa Constituição contempla proporcionalmente direitos e deveres, no entanto, estes últimos, na maioria das vezes são ignorados, inclusive por aqueles que reclamam de sua falta.

A lógica é simples: Se é certo que a Constituição, por exemplo, garante a todos liberdade de expressão, de crença e de consciência, é certo também que impõe a todos o dever de respeitar aquelas liberdades dos demais. Essa lógica tanto é verdadeira que o Capítulo da Constituição que trata sobre essas liberdades é intitulado "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos". Vejam: Está expresso o termo "deveres" na Constituição, não apenas direitos, como interpretam alguns.

No entanto, tais deveres dificilmente são interpretados efetivamente como deveres, de forma que, quem critica o suposto excesso de direitos, muitas vezes, está mais interessado em restringir direitos alheios, do que assumir (e cumprir) seus deveres de tolerância e respeito ali implicados.

Trarei outro exemplo: O artigo 5º da Constituição consagra a propriedade privada como um direito fundamental a ser protegido pelo Estado. No entanto, esse mesmo dispositivo determina que essa propriedade deve atender a uma função social. Desta forma, temos aí um direito e, simultaneamente, um dever.

Não se costuma, no entanto, ter notícias de alguém que tenha sido penalizado pelo descumprimento do dever de dar uma função social a imóvel. Ao contrário do que determina a Constituição, a mentalidade por aqui é "o patrimônio é meu e eu faço dele o que bem entendo". Por essa lógica, uma casa abandonada pode se tornar ponto de uso de drogas, sem que nada ocorra ao proprietário, o que, bem se sabe, ocorre corriqueiramente.

Ainda sobre os deveres previstos pela Constituição, o valor social do trabalho, enquanto dever individual dos cidadãos, é um dos fundamentos basilares da República (art. 1º, IV). A educação, mais do que dever do Estado, é também dever da família e da sociedade (Art. 205). A defesa do meio ambiente é dever da coletividade (art. 225). Inclusive o voto, enquanto instrumento mais simbólico de nossa democracia, é colocado como dever e não como mera faculdade (art. 14, § 1º, I).

Concluo, então, que deveres existem aos montes em nossa Constituição, porém, são propositalmente desconsiderados. Penso ser isso um problema: É muito mais difícil mudar uma mentalidade do que uma Constituição.

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